Energético…

O cartaz dizia, de R$ 4,95 por R$ 0,66. Não, você não leu errado. Nem eu. O produto em questão era um energético. 310ml, sabor pêssego. Pêssego? Sim, pêssego. Puxa, sessenta e seis centavos! O que custa sessenta e seis centavos nessa vida? Ai tem, pensei! Verifiquei a validade, vencerá daqui três meses. Noventa dias! Vamos levar. Um? Não, lógico que não. Vamos levar duas caixas. Energético sabor pêssego. Duas caixas, dezesseis latas. Da prateleira para o carrinho, do carrinho para o caixa, do caixa para o carrão, do carrão para a geladeira. Uma lata? Não, lógico que não. As dezesseis latas dividindo espaço com a margarina e a geléia de morango. Quente deve ser ruim, vamos esperar. Esperei, fui fazer minhas coisas. Recolhi a roupa do varal. Lancei algumas notas da universidade. Joguei duas ou três fases do Angry Birds. Já deve ter gelado, oba! Abri a lata, tsss. Tem cheiro de pêssego, ou parece ter. Desde o natal não como um pêssego. Tem cor de pêssego, que é meio cor de laranja, que é outra fruta. Bem, sem mais delongas, dei aquela golada digna de comercial de refrigerante norte-americano. Quente deve ser ruim? Eu me enganei. Quente deve ser horrível, pois gelado era ruim. Amigo leitor, amiga leitora, pare de rir. Deve ser o primeiro gole, a boca ainda trazia o gosto do almoço, um hamburguer de fast-food. Segundo gole, JESUS! Jesus, o messias, não o guaraná cor-de-rosa, que diga-se de passagem, é ruim, mas o energético sabor pêssego é pior. Senhor da glória, lembrei-me de uma das coisas mais horrendas ao paladar que eu já havia provado nesta vida de perdição. Daime, o chá. Chá de Santo Daime. Certa vez, nos tempos da faculdade de Filosofia, uma amiga me convidou a beber o chá. Acesso garantido a mundos fantásticos, ela disse. Eu, cético, recusei. Na minha ignorância, o chá era coisa de ritual religioso, mas ela negou, nada tem que ver com crença, Edgar, o Daime te leva para as ruas de Atenas, ela mesmo alegava conversar com Platão. Platão? Sim, Platão, dizia ela. Em grego? Grego? É, você fala com ele em grego? Não, em português. Ah… Convencido a deixar meu ceticismo de lado, fui ao tal do Santo Daime. Depois de algumas orientações e meia hora de cânticos, chegou a hora de pegar a fila para provar o néctar da ayahuasca. Jesus Cristo! Pense numa água cor de barro que corre pela sarjeta em dia de chuva. O gosto era algo indescritível até alguns minutos atrás. Bem, desnecessário dizer que não encontrei Platão falando português. Acho que eu sou imune ao chá de Santo Daime, se fosse chá de fita, quem sabe… Chá de fita? Sim, chá de fita. Fita K7, ou cassete. BASF era a preferida. Se fosse Chromo 90 minutos, melhor ainda. Eu tinha uns amigos de infância, digo, adolescência, que bebiam chá de fita. O que é que tá gravado nessa ai? Def Leppard. Não, Def Leppard não dá barato, vamos de Grateful Dead, essa sim! Desenrolava-se a fita, colocava-se a fita numa infusão de água quente e depois de quinze minutos, a caneca era compartilhada entre todos. Desnecessário dizer que esses meus amigos devem estar todos mortos. Eu sempre fui cagão, tinha medo de ficar loucão com o chá de fita. Alias, sempre fui cagão para qualquer droga. Ok, álcool é droga, e eu sempre fui chegado numa birita. Mas no máximo flertei com um lança-perfume. Mas já me caguei todo quando um colega, misturando clorofórmio com sei lá o que, derrubou a coisa toda no olho e perdeu a visão. Dai em diante, o chá do Santo Daime foi a minha maior estripulia além do álcool. Mas o chá me decepcionou, nada de ver Platão, unicórnios ou a Magda Cotrofe nua se insinuando e desejando-me – se bem que eu acho que a Magda Cotrofe era dos tempos do chá de fita. Energético de pêssego, o famigerado energético de sessenta e seis centavos, dezesseis latas. Bem, quatorze, na verdade, esta que eu estou tomando enquanto digito esta crônica é a segunda. O negócio é ruim, ruim demais. Acho que vou abrir mais uma. Platão não para de se gabar (em português). Magda Cotrofe colocou uma playlist do Grateful Dead no Spotify e está se esfregando no Platão enquanto um unicórnio está mexendo na geladeira, perguntando se a geléia de morango é diet. Maestro, solta o maracá. Treme a terra, treme a terra. Treme a terra e geme o mar…

#crônicasdeumterráqueo